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3 de outubro de 2024

O design nas definições de fotolivro

Este ensaio quer aproximar o design da discussão sobre fotolivros. O assunto é debatido pelas artes visuais, literatura e comunicação, mas segue limitado dentro do design – somente alguns raros textos e pesquisas recentes foram publicados a respeito. Também é um exercício para tornar minha pesquisa sobre o tema mais acessível fora dos cânones acadêmicos. Os apontamentos aqui reunidos transitam entre os campos da fotografia e das artes visuais, entrelaçados ao do design, formando, assim, um conjunto indissociável. Exponho pontos de vista e argumentos de pesquisadores, críticos e artistas, para ampliar a percepção a respeito do tema.

O fotolivro é, portanto, o suporte dessas relações interdisciplinares e objeto fundamental para se pensar a fotografia e o livro; a fotografia e o texto; a fotografia e o gráfico. Como Adolfo Navas expõe em Fotografia & poesia [afinidades eletivas] (Ubu, 2018) e Horacio Fernández organiza e descreve em Fotolivros latino-americanos (Cosac Naify, 2011), fotolivros dão acesso à memória, à experiência e à percepção de mundo, e penso que o design é um elemento-chave nessas narrativas visuais, quando também se reconhece como imagem.

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Fotolivros estão em evidência, ocupam espaços de importância nos circuitos das artes visuais e gráficas, assim como no da fotografia contemporânea. No Brasil, a criação e produção desse tipo de publicação é bastante expressiva apesar das barreiras do mercado editorial, que, em geral, demanda altas tiragens e pressupõe estratégias complexas de distribuição. Nos últimos 10 anos, no entanto, elas vêm ganhando mais espaço em editoras, livrarias, feiras, exposições, sites e redes sociais. A ampliação desses espaços pode ser atribuída a feiras de publicações independentes, como Tijuana e Feira Plana, e a festivais, como Imaginária e Zum.

O que são fotolivros? Essa é a principal questão, e é a partir dela que conduzo a ideia de que, para cada fotolivro criado e produzido, diferentes argumentos podem ser elaborados, já que, em cada um deles, diferentes sujeitos, linguagens, técnicas e meios de circulação e exposição são utilizados. Marina Feldhues, pesquisadora e autora de Fotolivros – (in)definições, histórias, experiências e processos de produção (Editora UFPR, 2021), compreende, em geral, que fotolivros são livros fotográficos temáticos que contam e mostram subjetividades. Uma definição já suficiente para começar o debate.

Embora o termo fotolivro seja utilizado largamente nos circuitos das artes, não há consenso sobre sua definição, longe disso. Por envolver tantas linguagens e sofrer tanto generalizações quanto reduções, sua caracterização é fugidia e acaba variando muito entre autores.

Mas qual é o termo correto: fotolivros ou livros fotográficos? Livros fotográficos são livros de fotografia? E os livros de artista? Fotolivros não seriam, então, livros de artistas que fotografam? Dá para fazer muitas perguntas, mas quase sempre chegamos às mesmas respostas. Embora o termo fotolivro seja utilizado largamente nos circuitos das artes, não há consenso sobre sua definição, longe disso. Por envolver tantas linguagens e sofrer tanto generalizações quanto reduções, sua caracterização é fugidia e acaba variando muito entre autores. Por conta disso, apontarei algumas das maneiras possíveis de defini-lo ou compreendê-lo. 

Uma definição não conclusiva, mas que serve como introdução para aqueles que não têm familiaridade com o tema, parte do Getty Research Institute e do Art & Architecture Thesaurus. Fotolivros são livros, com ou sem texto, nos quais a informação essencial é veiculada por um conjunto de imagens fotográficas. Não são álbuns de fotografia, pois as imagens em um fotolivro constituem um conjunto que configura uma narrativa visual, ou seja, se fossem embaralhadas contariam uma história diferente. O fotolivro seria, portanto, uma obra autônoma, temática e autoral, em que as fotografias estão no livro como componentes de um todo. 

Outra definição, mais usual, complementa a primeira. Horacio Fernández, em sua publicação de pesquisa Fotolivros latino-americanos, afirma que fotolivros são livros fotográficos de expressão e criação, que envolvem diferentes profissionais e devem ser qualificados como arte. Além da fotografia e do livro, outros elementos podem ser discutidos e esmiuçados, sendo eles o texto, o design, a materialidade e a produção. Essa multiplicidade de elementos reforça a ideia de que selecionar, editar e ordenar fotografias em páginas é fundamental para a narrativa visual da obra. O design tem destaque aqui.

Em um fotolivro, vejo fotografias, claro, mas também vejo espaços vazios, textos, formas, cores – manipulo a capa – abro o livro, folheio as páginas, me fixo em determinadas imagens, me distraio em outras, faço associações entre elas.

Neste ponto, num esforço em responder de que maneira as relações entre design e imagem acontecem em fotolivros, parto da premissa de que design também é visualidade. Pois em um fotolivro, vejo fotografias, claro, mas também vejo espaços vazios, textos, formas, cores – manipulo a capa – abro o livro, folheio as páginas, me fixo em determinadas imagens, me distraio em outras, faço associações entre elas. O design – mais especificamente, o design gráfico – é responsável por criar relações entre todos esses elementos visuais e materiais que coexistem no fotolivro.

Centro (2014) de Felipe Russo. Design por Beatriz Matuck. Fotografias de Julia Thompson.

Gerry Badger, em seu artigo “Por que fotolivros são importantes” publicado na Revista Zum #8 em abril de 2015, define o fotolivro como um tipo particular de livro em que “as imagens predominam sobre o texto e em que o trabalho conjunto do fotógrafo, do editor e do designer gráfico contribui para a construção de uma narrativa visual”. Adolfo Navas reforça essa ideia e percebe o fotolivro como um tipo específico de obra que propõe uma experiência visual e se define pela relação estreita entre a fotografia, o livro e o design. Ou seja, na criação e na produção de um fotolivro, o artista ou fotógrafo não deveria estar sozinho, sendo o designer um agente indispensável na articulação desses elementos.

As decisões de design em um fotolivro, como o tamanho de uma fotografia na página, seu alinhamento e escala; a quantidade de fotografias, o tamanho das margens ou mesmo o posicionamento dos textos, influenciam diretamente na narrativa visual da obra. Espaços vazios podem sugerir contemplação, enquanto imagens justapostas ou sangradas criam mais intensidade. Essas escolhas definem contraste, ritmo, movimento, equilíbrio e hierarquia, mas também emoções, sensações e memórias acessadas por meio do design como uma estrutura que informa ao mesmo tempo que sensibiliza.

Penitentes: dos ritos de sangue à fascinação do fim do mundo (Tempo d'Imagem, 2019) de Guy Veloso. Design por Beatriz Matuck. Fotografias de Julia Thompson.

Outra definição de fotolivro, mais inclinada às artes visuais, tem o livro de artista como ponto de partida. Paulo Silveira, influente na pesquisa acadêmica, faz críticas ao uso do termo fotolivro e prefere o termo livro fotográfico. Essa distinção ocorre quando o livro fotográfico é produzido em um ambiente artístico, como um livro de artista, concebido por um artista fotógrafo ou um artista que fotografa. O termo fotolivro, para Silveira, embora seja cada vez mais usado e validado, está associado diretamente à sua tradução literal do inglês – photobook – e pode ter apenas pretensões mercadológicas. Tento me descolar dessa tese.

O fotolivro tem a capacidade particular de aglutinar e expor a cultura visual de qualquer lugar.

Penso que a palavra fotolivro, por ser uma tradução literal, carrega, sim, traços socioculturais estadunidenses ou de países europeus, mas também percebo que seu uso frequente é consequência de uma adaptação espontânea e independente, que decorre da democratização desse tipo de publicação em países latino-americanos, em especial no Brasil. O fotolivro tem a capacidade particular de aglutinar e expor a cultura visual de qualquer lugar. No Brasil, ele é uma categoria de livro de fotografia específica, que, mesmo “contaminada” do ponto de vista linguístico, faz parte de algo além de discussões locais.

Também ando perdido esses dias (2021) de Guilherme Freire e Vítor Ramos. Design por Beatriz Matuck. Fotografias de Julia Thompson.

Silveira se refere ao livro de artista como um livro-obra, em que o artista usa diferentes linguagens de maneira autônoma e original. Pode vir a ser um livro-objeto ou um livro-experimental, seja uma peça única ou reproduzida em escala. Aquilo que está no livro foi pensado especificamente para aquele volume, tornando-o um objeto de expressão. O objeto transforma-se, assim, em um produto da arte contemporânea, seja ele um livro ilustrado ou um livro escultura. A fotografia, quando presente, é apenas mais uma de tantas possibilidades artísticas. 

O pesquisador e artista Amir Cadôr amplia um pouco mais essa questão, e se destaca por não fechar totalmente a definição do que é um livro de artista, por entender que “livros de artista não se deixam encerrar facilmente em uma simples definição”. Ele defende a ideia de que existem aproximações e distanciamentos entre livros de artista e fotolivros, mas que os termos não são equivalentes. Para Cadôr, livro de artista é uma categoria muito abrangente que comporta o fotolivro, mas nem todo fotolivro é um livro de artista: “todo livro de artista tem um artista como autor, mas nem todo fotolivro tem como autor um artista”. Me aproximo dessa tese.

As aproximações e distanciamentos entre livros de artista e fotolivros são instáveis, nada óbvias. E é justamente essa ambiguidade que enriquece a discussão.

Feldhues traz outras percepções, pois muitos “fotolivros de hoje são livros de artista, tendo sido eles feitos por autores que se denominam artistas e fotógrafos”. Por isso, no que diz respeito à autoria, é sempre importante analisar a obra e dar voz ao autor, quando possível. Andrew Roth, historiador, é mais categórico e não acredita na oposição entre livros de artista e livros fotográficos. As aproximações e distanciamentos entre livros de artista e fotolivros são instáveis, nada óbvias. E é justamente essa ambiguidade que enriquece a discussão. 

Quando trago o design para a discussão acerca da definição de fotolivro, não o restrinjo à diagramação ou à concepção de um projeto gráfico. Se fotolivros, de maneira geral, dependem de fotografias dispostas em páginas para existir, o designer, ao estruturar a narrativa e sensibilizar o leitor, torna-se coautor, ao lado do artista que fotografa. A condição do designer enquanto autor é debatida por Michael Rock na revista Design Observer de 1996, quando afirma que cada ação executada em um projeto gráfico tem efeito na leitura do livro. Assim, abordagens subjetivas e até intuitivas em projetos gráficos de fotolivros são articulações que excedem a prática de diagramar. Na geração de sentido da obra, o design faz e é – ao mesmo tempo e no mesmo espaço – uma experiência visual e material – uma experiência relacional.

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Esta discussão não se encerra aqui e pode ser revisitada de outras maneiras. Continuo a pesquisa enquanto encerro este ensaio e, mesmo sem escolher uma definição pragmática ou definitiva para o termo fotolivro, sugiro uma ampliação da percepção do design enquanto visualidade. Como o crítico contemporâneo Rick Poynor explica, é possível pensar o design em diversos contextos, pois o design é relacional, diverso, complexo, paradoxal e percebido visualmente. Em tempo, como Gui Bonsiepe expôs na palestra “Design e a crise” (2012), se o design está “predominantemente no domínio da visualidade” e intimamente “entrelaçado com a experiência estética”, abrem-se brechas para outras definições de fotolivro. Cabe a nós colocá-las no papel.

é designer, artista visual com atuação em circuitos de arte, exposições autorais e projetos coletivos. Doutoranda em Design pela UFPR, mantém pesquisa em torno das relações entre design e imagem, com interesse em fotolivros e narrativa visual. Atualmente, é professora nos cursos de graduação e pós-graduação em Design Gráfico da Unifil, onde explora as áreas de crítica e produção da imagem, teoria e história do design.
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