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6 de abril de 2023

Mulheres na Tipografia – Parte 1

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O designer e educador Henrique Nardi organizou toda a produção nacional na planilha TiposBR que, em 2020, após minhas provocações nas redes sociais, ganhou uma aba especial para famílias tipográficas criadas por mulheres.

Em julho de 2020, fiz uma pesquisa1 informal via Instagram sobre fontes lançadas por brasileiros. Depois de quase 10 anos fora do país, trabalhando regularmente para o mercado norte-americano e europeu, estava curiosa a respeito da produção nacional. Para minha não surpresa, apenas 25% das respostas mencionavam designers mulheres — e os números em relação a lançamentos de fontes, tanto de varejo quanto customizadas, criadas ou cocriadas por mulheres no Brasil, era ainda menor: menos de 20% em 2020. Ficou bem claro que esse desequilíbrio era um tema importante.

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Intitulada “‘It is not enough that we just exist’: A discussion on the continued imbalance of female representation in type design”, a matéria do It’s Nice That, publicada em 20 de março de 2023, entrevista Nadine Chahine, type designer libanesa, fundadora da ArabicType e da plataforma I Love Typography; Chantra Malee, cofundadora e CEO da foundry Sharp Type; e a educadora indiana, residente em Washington (DC), Aasawari Kulkarni.

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 Infelizmente, além de questões de gênero, cor e raça, a tipografia como campo ainda é muito ocidentalizada. Comparativamente, existem pouquíssimos projetos de qualidade que abrangem outros sistemas de escrita que não o latino — e mesmo dentro dos projetos globais que suportam um mapa de caracteres para latim estendido, raros são os que incluem línguas indígenas.

Numa recente entrevista2 para o site It’s Nice That, a designer de tipos e empreendedora Nadine Chahine diz que “Para responder à questão da representação e equidade de gênero, não basta apenas existirmos. Precisamos existir em todos os níveis”. Falar de empoderamento feminino, compartilhar experiências e aprendizados, nesse contexto (de um problema global, e não exclusivo ao universo da tipografia), se tornou, então, o mínimo para mim. Há tanto talento não reconhecido por aí, tanta síndrome do impostor… assim comecei a série Mulheres na Tipografia, originalmente publicada na minha newsletter, a Contraforma

A lista reúne 30 (e continua crescendo) das minhas fontes favoritas, criadas por mulheres no Brasil e no mundo, que vamos publicar de 10 em 10 aqui na Recorte. Mantive o foco em lançamentos de varejo por dois motivos: incentivar a produção de novos projetos e inspirar mais designers gráficos a licenciar e apoiar esses trabalhos incríveis. A seleção tem base nas minhas preferências pessoais, entorno e habilidades técnicas — por ser nativa de uma língua baseada no alfabeto latino, evitei incluir tipografias que explorassem exclusivamente outros sistemas de escrita, como círilico, grego, hangul ou devanágari3.

Você vai perceber que muitos dos projetos começaram na sala de aula. Faz sentido se você levar em consideração que muitos dos programas de design de tipos são intensivos e imersivos e oferecem o privilégio de experimentar conceitos que clientes nunca aceitariam. Gosto bastante da frase “Criatividade nada mais é do que a mente livre”. Na escola, voltamos ao básico e, geralmente, quanto menos sabemos, mais limites podemos ultrapassar – nela, temos tempo para imaginar, explorar, falhar, descobrir e recomeçar. No entanto, esse não é o único caminho, e espero que mais e mais mulheres, autodidatas ou mestras em tipografia, superem as altíssimas barreiras que o mercado e a sociedade patriarcal nos impõem para publicarmos nossos trabalhos e, principalmente, vivermos da renda gerada por eles.

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Messer por Inga Plönnigs

Tenho muita sorte de poder chamar a Inga de minha amiga íntima, mas predisposições à parte, ela é certamente uma das melhores designers de tipos por aí, lançando pancada atrás de pancada. E mesmo que as famílias tipográficas Magnet e Zetkin sejam incríveis, Messer (pronuncia-se “MEH-suh”, “faca” em alemão) ainda é a queridinha do meu coração. Em sua interpretação da Weiss Antiqua (1928), do alemão Emil Rudolf Weiß (1875-1942), Inga transforma a marca registrada do s e S parecerem de ponta-cabeça, em um recurso de design que se repete em vários glifos (!spoiler alert! esperem para ver como essa característica fica ainda mais louca em cirílico) — um traço que eu e Phaedra também trouxemos para a Fraunces. Messer afia as extremidades além do original, e expande a família composta por três pesos (Light, Regular e Bold), uma versão condensada e respectivos itálicos.

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Em dezembro de 2021 Tassiana apresentou a palestra “Thelo, uma busca tipográfica na era digital” no evento on-line DiatipoX Tramas. A transmissão foi gravada e está disponível no YouTube.

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Lygia é o nome da superfamília tipográfica que comecei a desenhar no programa de pós-graduação nova-iorquino Type@Cooper em 2017.

Thelo por Tassiana Nuñez Costa4

Apesar de Tassiana ser minha contemporânea e conterrânea (nascemos no Rio de Janeiro. Atualmente ela mora em Paris, e eu em Berlim), só conheci seu trabalho recentemente — e olha que também cursamos a mesma universidade! Semelhante a Lygia5, a Thelo começou como seu projeto de graduação na EsadType (um curso de pós-graduação em tipografia em Amiens, na França), e tinha como objetivo responder questões editoriais de coerência e legibilidade em diversas mídias e formatos de leitura. Publicada pela foundry 205TF, Thelo possui nove estilos, subdivididos em três tamanhos óticos: display, text e micro. Cada um deles apresenta sua própria construção de serifas e terminais, além das clássicas mudanças de contraste: micro segue uma abordagem quase monolinear com serifas slab, que na versão text ficam mais triangulares e na display ainda mais incisivas.

Kaligari por Franziska Weitgruber

Certa vez, ouvi de Kris Sowersby, designer de tipos por trás da Klim Type Foundry, que a maioria das tipografias apresentadas hoje em dia na KABK (Academia Real de Artes da Holanda, localizada em Haia) é muito melhor que seu primeiro lançamento de varejo, a família Feijoa, de 2007. Kaligari, projeto final de Franzisca no mestrado Type and Media, se enquadra nesse altíssimo padrão de excelência. Resultado de seu fascínio pela simplicidade das letras presentes na arte expressionista e seu interesse pela relação entre tipografia e exposições de arte, esse script vistoso com qualidades caligráficas e formas quadradas inclui alternativos para letras iniciais, finais, e sem conexão — idealmente acessadas pelo recurso opentype de alternativos contextuais. Se você também amou a Kaligari, conheça os outros lançamentos de Franziska: Roba, Nikolai & Gig.

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Chimera recebeu o Certificate of Excellence in Typeface Design (TDC2) em 2014 e Prêmio de Prata no Morisawa.

Chimera6 por Maria Doreuli

Prova que grandes famílias nem sempre são a resposta ou uma obrigação, Chimera, disponível em cinco estilos, é um belo e magistral experimento que traz dinamismo a um gênero usualmente ultrapassado. O chamado contraste invertido, comum em pôsteres de filmes de faroeste, foi historicamente criado como oposição aos clássicos elegantes; sua estranheza é deliberada para chamar atenção, mas Maria distorce esse conceito mais uma vez ao usar uma pena de ponta chanfrada em um ângulo de 45º para desenhar as formas, deixando sua aparência mais amigável. Lançada em 2018 pela Contrast Foundry, da qual Maria é cofundadora, Chimera explodiu meu cérebro de recém-formada e até hoje é uma fera única!

Mollydooker por Phaedra Charles 

Se você já acha que as disciplinas de tipografia e caligrafia são um quebra-cabeça misterioso, difícil de entender e quase impossível de decifrar, imagine para uma pessoa canhota. Phaedra engenhosamente traduziu isso para a Mollydooker — uma fonte que usa como base os princípios de seu Guia de Mão Sinistra, no qual ela desenvolveu um modelo de escrita e expressão para canhotos que celebra nossas singularidades em vez de tentar “higienizar” ou “mitigar” o que nos faz diferente, em oposição a outros modelos caligráficos clássicos que disseminam uma perspectiva centrada em destros. Mollydooker é um script de energia rápida, baseado no pincel pontiagudo, com dois eixos variáveis, três opções de inclinação e seis pesos cada. Um projeto muito especial para esta canhota que vos fala.

7

Bely recebeu o Certificate of Excellence in Typeface Design (TDC5) em 2017 e o Prêmio SOTA Catalyst em 2016.

Bely7 por Roxane Gataud

Conheci a Roxane na conferência Typographics (que acontece todo ano em Nova York) em 2017, logo após o lançamento da Bely. Sem vergonha, confessei que gostaria de finalizar minha pós-graduação na Type@Cooper com uma fonte tão eficiente e inovadora quanto a dela. A justaposição de serifas em retângulos finos e triângulos íngremes, somada a um eixo diagonal acentuado, fez da Bely Display um design moderno e elegante que rapidamente se tornou um sucesso de público e crítica. Agora, seis anos depois, gosto de pensar que, de alguma forma, a destemida abordagem de Roxane no planejamento da família, combinando quatro estilos de texto baseados em proporções clássicas (Regular, Regular Itálico, Bold e Bold Itálico), com uma display que desafia a lógica, influenciou um pouco a Lygia.

8

Future Fonts é uma plataforma on-line na qual designers podem comercializar suas fontes antes que elas estejam 100% finalizadas. Dessa forma, o profissional é capaz de testar o potencial de venda de seus projetos, receber críticas construtivas de outros designers e gerar renda. Desenhar uma fonte, em geral, demora muito tempo (muitas vezes anos) e a compensação financeira, por consequência, também demora a chegar.

Biblio por Namrata Goyal

Biblio começou como parte do projeto de sinalização da biblioteca da KABK em Haia, mas suas proporções estreitas, que economizam espaço, e detalhes simplificados também a tornam uma ótima opção para o uso em tamanhos pequenos. Na verdade, suas contraformas de aspecto geométrico acentuado me fazem lembrar da Minuscule, por Thomas Huot-Marchand — uma família tipográfica baseada em teorias de impressões compactas, destinada a tamanhos micro (otimizada para 6, 5, 4, 3 e 2 pontos). Disponível via FutureFonts8, a versão atual da Biblio abrange muitos caracteres acentuados, numerais alinhados e desalinhados, frações e símbolos e, claro, um monte de setas. Próximo na lista de Namrata estão os pesos de texto, itálicos, estêncil e devánagri. Mal posso esperar!

9

Orientation recebeu o Certificate of Excellence in Typeface Design (TDC7) em 2019 e faz parte do acervo nacional do Musée des Arts Décoratifs de Paris.

Orientation9 por Sandrine Nugue

Todos temos momentos em que, depois de ver certos projetos, desejamos tê-los feito nós mesmos. Orientation certamente bate nessa tecla para mim. Sua construção dramática e lúdica, às vezes até abstrata, cria uma nova forma de minimalismo. Esqueça Joseph Albers e Joost Schmidt, Sandrine aponta a Fanfare, por Louis Oppenheim (1879-1936), de 1920 (outra referência histórica que adoro), como fonte de inspiração. Primeiro encomendado por Thanh Phong Lê, diretor criativo do estúdio francês ​​Travaux Pratiques para o sistema de localização de um prédio de apartamentos estudantis em Roubaix, na França, esse estêncil aventureiro, cheio de formas surpreendentes (e alternativas!), foi posteriormente expandido em três pesos e itálicos para entrar no catálogo da foundry Commercial Type.

Min Sans por TienMin Liao

Adequada para design editorial, Min Sans é uma fonte elegante de alto contraste, que explora cortes caligráficos bem definidos, que, por sua vez, garantem uma personalidade forte dentro do gênero das fontes sem serifa. Originalmente de Taipei, Taiwan, TienMin parece sempre combinar suas habilidades bilíngues para brincar com a contraposição das escritas kanji/chinês e latim, que são fundamentalmente diferentes. O desenho de suas letras é profundamente informado por referências interculturais — visto de forma ainda mais impressionante na tipografia Ribaasu, publicada em 2019. Com 12 estilos e um conjunto de caracteres bastante extenso, Min Sans é tão refinada que se adequa perfeitamente ao mundo da moda e do luxo, especialmente em seus pesos mais leves.

Pique por Nicole Dotin

Traduzir a energia de pinceladas para o vetor não é fácil — acredite em alguém que já fez isso. Ao trabalhar na ZC Casual, muitas vezes fico frustrada tentando traduzir belas letras pintadas à mão em um sistema modular, mas Nicole parece ter enfrentado esse desafio sem derramar uma gota de suor quando criou a Pique. Esse script de movimento rápido, de cima para baixo, realmente captura o ritmo da mão de maneira brilhante. Em vez de tentar simular a escrita caligráfica, ela racionaliza a ferramenta – nesse caso o pincel –, criando uma biblioteca de formas expressivas que revelam uma estética mais contemporânea, menos vernacular. A tipografia de estilo único, composta por mais de seiscentos glifos, não possui muitos caracteres alternativos ou ligaturas, no entanto, seus versaletes foram projetados para otimizar composições em caixa alta, enquanto as maiúsculas padrão são mais floreadas.

é designer de tipos carioca baseada em Berlim. Tem interesse em celebrar a diversidade de movimentos artísticos da América Latina e tem incorporado a cultura e história brasileira em seus projetos independentes, assim como nas fontes Lygia, Lygia Sans e Melindrosa. Em paralelo, ela frequentemente colabora com fundições renomadas, como Commercial Type (Roboto Serif), Frere-Jones (Mallory), AdobeFonts (Joschmi) e GoogleFonts (Fraunces). Ex-aluna do Type@Cooper Extended Program, Flavia foi a primeira mulher brasileira a ter uma fonte premiada pelo Type Directors Club em 2018, além de ter recebido reconhecimento pela Bienal Tipos Latinos e participado do júri na Bienal Brasileira da ADG, no BDA (Prêmio do Design Brasileiro) e no ADC (The One Club for Creativity) em 2017, 18, 20, 22, e 23.
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