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20 de janeiro de 2025

Cartazes de cinema favoritos: 2024

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Desde 2020, faço uma seleção anual dos meus cartazes de cinema favoritos. O que começou como uma despretensiosa sequência de stories durante a pandemia evoluiu para um exercício mais profundo de reflexão e escrita. Com o passar dos anos, percebi que o ato de elaborar sobre os pôsteres que mais me marcaram é valioso não apenas para meu ofício como cartazista, mas também para descobrir e celebrar o trabalho de outros designers.


As listas de 2020, 2021, 2022 e 2023 foram publicadas nas minhas redes sociais (Instagram e Twitter). Este ano, tenho o prazer de apresentar a seleção em parceria com a Revista Recorte. Escolhi 15 cartazes lançados em 2024, nacionais e internacionais, e escrevi um pouco sobre cada um deles. Não é um ranking de melhores do ano, mas tentei ordená-los de uma forma que fizesse algum sentido. Espero que gostem e feliz ano novo!

***

15. Anora
dirigido por Sean Baker
Estados Unidos

Cartaz de “Anora” (2024). Design por GrandSon.

Se teve uma fonte que, literalmente, brilhou nos cartazes de cinema em 2024, foi a Aguafina Script.

Desde Tangerine (Tangerina, 2015), o diretor e roteirista Sean Baker encontrou uma “musa tipográfica”, que passou a estrelar os cartazes de seus filmes seguintes. Essa forte identidade gráfica acompanha a recorrência temática dos roteiros de Baker: ao retratar pessoas marginalizadas e/ou sex workers como personagens complexas, ele escancara as contradições do sonho americano.

Cartazes de "Tangerine" (2015), por P+A; "The Florida Project" (2017), por InSync Plus; "Red Rocket" (2021), por GrandSon e ilustração de Steven Chorney.

Em entrevista à MUBI sobre “A Fonte Sean Baker”, o diretor revela: “Começou com Tangerine. Durante o design dos créditos de abertura […] eu precisava criar algo que fosse estilisticamente interessante e optei por uma fonte script, especificamente a Aguafina, porque parecia apropriada”. A fonte em questão foi criada pelos designers argentinos Alejandro Paul e Angel Koziupa, da type foundry Sudtipos, e está disponível gratuitamente no Google Fonts.

Escolhi o pôster de Anora como o homenageado justamente por ele simbolizar o ápice da relação entre um diretor autoral e os cartazes de seus filmes ao longo dos anos.

14. Paris, Texas – Restauração em 4K
dirigido por Wim Wenders
Alemanha e França

Cartaz nacional de “Paris, Texas” (2024). Design por Gus Kondo e Wim Wenders Foundation.

Nunca imaginei que um dia teria a oportunidade de criar o cartaz oficial de um dos filmes mais lindos e amados do mundo! Mas, graças à O2 Play e à minha função como produtor criativo na distribuidora, isso se tornou realidade. Em 2024, adquirimos os direitos da versão restaurada e comemorativa dos 40 anos de Paris, Texas (1984).

Cartaz internacional da versão comemorativa e restaurada de “Paris, Texas” (2024). Design por Wim Wenders Foundation.

O cartaz brasileiro é derivado da versão oficial internacional, lançada durante o Festival de Cannes 2024. Decidimos substituir a imagem do protagonista caminhando pelo deserto por uma foto de Nastassja Kinski como Jane, uma das personagens mais icônicas da história do cinema. Paris, Texas retorna aos cinemas brasileiros em 2025.

13. Motel Destino
dirigido por Karim Aïnouz
Alemanha, Brasil e França

Cartaz de “Motel Destino” (2024). Design por Check Morris.

Motel Destino é um filme ardente, no qual os corpos dos personagens são constantemente banhados pela luz do sol ou iluminados pelos neons coloridos da locação-título. O cartaz, criado pelo estúdio parisiense Check Morris, ilustra com precisão o que alguns críticos definem como “noir tropical”, além de remeter à Pop Art de Andy Warhol.

Cartazes de "Marinheiro das Montanhas" (2021), por Miro Denck; "A Vida Invisível" (2019), por Manuela Eichner; e "Nardjes A". (2020).

Assim como Sean Baker, o diretor cearense Karim Aïnouz também parece ter encontrado uma espécie de identidade visual para os cartazes de seus filmes. Mesmo assinados por designers diferentes, há uma certa coesão na combinação de cores vibrantes, no uso de colagem e nas ilustrações em estilo vetorial.

12. Evil Does Not Exist (O Mal Não Existe)
dirigido por Ryūsuke Hamaguchi
Japão

Cartaz de “Evil Does Not Exist” (2024). Design por Le Cercle Noir.

Nada mais apropriado para um filme que explora o desequilíbrio ambiental causado pelo avanço capitalista do que um cartaz em que a natureza impera e empequenece as figuras humanas.

Esse estilo “aquarelado” do cartaz, feito originalmente pelo estúdio Le Cercle Noir para o lançamento na França, contrasta com as pinturas mais singelas, frequentemente adotada nos cartazes japoneses dos filmes de Ryūsuke Hamaguchi.

Cartazes japoneses de "Evil Does Not Exist" (2023) e "Wheel of Fortune and Fantasy" (2021), por NEOPA Inc.; cartaz norte-americano de "Wheel of Fortune and Fantasy" por Elizabeth Yoo.

11. Good One
dirigido por India Donaldson
Estados Unidos

Cartaz de “Good One” (2024). Design por Tracy Ma e foto por Eric Ruby.

Em Good One, Sam, uma garota de 17 anos, parte para um acampamento em meio à natureza com seu pai e um amigo de longa data. Ela logo se vê diante de uma dinâmica masculina complicada. No cartaz, criado pela designer Tracy Ma com fotografia de Eric Ruby, a natureza ao redor de Sam é tomada por pinceladas agressivas de tinta, que podem tanto aprisioná-la quanto protegê-la. Essa inusitada intervenção gráfica traduz com perfeição o isolamento vivido pela protagonista frente ao pacto de masculinidade firmado entre os dois adultos.

10. Ainda Estou Aqui
dirigido por Walter Salles
Brasil e França

Cartaz de “Ainda Estou Aqui” (2024). Design por Claudia Warrak.

Não é exagero dizer que este é o cartaz de cinema nacional mais visto e reproduzido de 2024. Ainda Estou Aqui já levou mais de 3 milhões de brasileiros aos cinemas e reacendeu em nós a vontade de torcer por um filme na temporada de premiações com a mesma paixão de quem torce pelo Brasil na Copa do Mundo.

O que parece ser apenas um retrato comum de uma família feliz ganha um peso dramático quando percebemos o olhar distante da mãe, interpretada por Fernanda Torres. Enquanto o pai e os filhos olham diretamente para a câmera, ela observa algo fora do quadro, algo que ameaça a paz daquela família. O design do cartaz, assinado por Claudia Warrak, é sutil e nos guia na leitura da fotografia. Até mesmo a simples escolha de alinhar o título e a coluna de créditos à direita, logo acima do rosto de Fernanda, reforça a ideia de que a mãe é a protagonista da história.

9. Thelma
dirigido por Josh Margolin
Estados Unidos

Cartaz de “Thelma” (2024). Design por Gravillis.

Tendo a gostar de cartazes que simulam processos analógicos. Este pôster de Thelma, por exemplo, imita um bordado feito por uma vovó e é tão divertido e gracioso quanto a personagem que dá nome ao filme.

É muito provável que a principal referência do estúdio Gravillis nesse projeto tenha sido o clássico pôster de Fargo (dirigido por Joel Coen, 1996), que brinca com as mesmas técnicas.

Cartaz de “Fargo” (1996). Design por Armageddon Design & Advertising.

8. The Girl with the Needle (A Garota da Agulha)
dirigido por Magnus von Horn
Dinamarca, Polônia e Suécia

Cartaz de “The Girl with the Needle” (2024). Design por Yellow1.

O pôster minimalista do longa The Girl with the Needle traz um detalhe desconcertante: o buraco da agulha gigante gesta uma minúscula mulher em posição fetal. Assistir ao filme e descobrir como essa imagem se relaciona com a trama de uma costureira grávida é uma revelação tão sombria quanto a cor preta que toma conta de todo o cartaz.

Detalhe do cartaz de “A Garota da Agulha” (2024).

7. Mamífera
dirigido por Liliana Torres
Espanha

Cartaz de “Mamífera” (2024). Design por Collage Animations.

Neste pôster, a colagem do casal — que enfrenta uma gravidez inesperada, como a sinopse apresenta — remete a uma carta de baralho ou a uma pintura renascentista. Adoro o detalhe da mão segurando o dedo bem no centro do quadro e como a tipografia parece ter sido recortada letra por letra. Ainda não assisti ao filme, mas o trailer indica que a protagonista é uma colagista que sonha em formato de colagens, o que torna este pôster ainda mais especial.

6. Challengers (Rivais)
dirigido por Luca Guadagnino
Estados Unidos

Cartaz de “Challengers” (2024). Design por BLT Communications, LLC.

Alessio Bolzoni é o fotógrafo responsável pelos retratos usados na maioria dos projetos de Luca Guadagnino. Sua visão única é marcada pelo registro de corpos contorcidos ou interligados, que passeiam no limite entre conforto e desconforto. No cartaz de Challengers feito para o lançamento em IMAX, a fotografia de Bolzoni captura o triângulo amoroso em movimento, durante uma partida de tênis. As poses podem até parecer exageradas ou impossíveis, mas a intenção do pôster não é documentar com fidelidade o esporte, e sim traçar uma relação entre aqueles três corpos, permeados por rivalidade e desejo.

Fotografias promocionais de "Call Me By Your Name" (2017), "We Are Who We Are" (2020) e "Challengers" (2024) por Alessio Bolzoni.

5. Alien: Romulus
dirigido por Fede Alvarez
Estados Unidos

Cartaz de “Alien: Romulus” (2024). Design por Matt Ferguson.

O lançamento de Alien: Romulus nos cinemas veio junto com uma série de cartazes alternativos, de diferentes estilos, que funcionam quase como uma homenagem ao repertório imagético construído pela franquia Alien ao longo das décadas.

Na minha opinião, este cartaz ilustrado por Matt Ferguson é o que melhor captura a nostalgia e o sentimento de um pesadelo claustrofóbico, tão essenciais à franquia. A figura fálica do alien, dominando mais da metade do pôster, evoca os designs originais do artista suíço H.R. Giger. Acho fascinante o detalhe da baba branca da criatura pingando pela escada e banhando a letra “i” do título, perfeitamente centralizada.

Cartazes de "Alien: Romulus" (2024), criados por Concept Arts e LA.

4. The Substance (A Substância)
dirigido por Coralie Fargeat
Estados Unidos, França e Reino Unido

Cartaz de “The Substance” (2024). Design por MUBI Lab.

Uma mulher nua, com as costas costuradas de ponta a ponta, deitada no chão de um banheiro revestido por azulejos brancos. O horror corporal exposto nessa cena resume os temas abordados em The Substance: como a imposição dos padrões de beleza e os procedimentos estéticos podem causar transformações irreparáveis nos corpos das mulheres.

Gosto como a imagem idealizada pela diretora e roteirista Coralie Fargeat parece referenciar obras de outras artistas mulheres como Tree of Hope (1946), da Frida Kahlo, e a série Saunas e Banhos, da brasileira Adriana Varejão.

“Tree of Hope” (1946), de Frida Kahlo.

“O Místico” (2005), “O Sonhador” (2006) e “The Guest” (2004), da série Saunas e Banhos, de Adriana Varejão.

3. Cloud
dirigido por Kiyoshi Kurosawa
Japão

Cartaz de “Cloud” (2024). Design por Nikkatsu.

Este cartaz de Cloud faz jus ao título de “mestre do horror japonês” atribuído a Kiyoshi Kurosawa. Mais do que revelar a trama, é uma imagem que busca transmitir uma sensação, uma atmosfera densa e lúgubre, tão característica dos filmes mais cultuados do diretor, como Cure (1997), Pulse (2001) e Creepy (2016). A figura mascarada ganha uma aura quase sobrenatural e fantasmagórica quando vista através do vidro texturizado.

Em 2024, Kiyoshi Kurosawa lançou três filmes, e todos contaram com bons cartazes. A boa notícia é que a O2 Play também adquiriu os direitos de Cloud, que chegará aos cinemas brasileiros em 2025.

Cartazes de "Cloud" (2024) por Nikkatsu, "The Serpent's Path" (2024) por Kadokawa Corporation e "Chime" (2024) por Roadstead.

2. Moving (A Mudança) – Restauração em 4K
dirigido por Shinji Sōmai
Japão

Cartaz de “Moving” (2024). Design por Brian Hung.

O designer Brian Hung ilustra com delicadeza a história de Ren, uma criança que é forçada a amadurecer diante do divórcio dos pais. O mundo dos adultos, simbolizado pelo documento de “notificação de divórcio” ao fundo, se entrelaça com a infância, representada pelos desenhos e pinturas sobrepostas. As flores pintadas remetem ao padrão estampado no vestido usado pela protagonista ao longo do filme.

Cena do filme “Moving” (1993).

1. Amarela
dirigido por André Hayato Saito
Brasil

Cartaz de “Amarela”. Design por Gus Kondo; lettering por Tayná Miessa; foto por Alex Takaki.

Para encerrar a lista, achei que seria simbólico colocar o pôster mais pessoal e importante da minha carreira até agora. Selecionado para o Festival de Cannes de 2024, Amarela é um curta-metragem que conta a história de Erika, uma garota nipo-brasileira que se sente estrangeira em seu próprio país.

O processo de criação do cartaz começou após uma conversa com o diretor André Hayashi Saito, na qual compartilhamos nossas referências e vivências como nipo-brasileiros. Revisitei minha coleção pessoal de cartazes japoneses para encontrar a linguagem que melhor representasse esse trânsito entre Japão e Brasil. Percebi, então, que é nosscomum em cartazes de cinema do leste asiático — especificamente do Japão e da Coreia do Sul — o uso de delicados letterings e títulos escritos à mão.

Algumas das referências do pôster de "Amarela": cartazes de "My Broken Mariko" (2022), "Yi Yi" (2000), "On the Beach at Night Alone" (2017), "Jeju Prayer" (2013), "Jane" (2017) e "Asako I & II" (2018).

Pensando nisso, para desenhar o título de Amarela, convidei a artista Tayná Miessa, uma amiga de adolescência com quem estudei no Japão. Para a tipografia, escolhi a Nikkei Maru, desenvolvida por Caio Kondo, da foundry brasileira Inari Type, com participação das designers Satsuki Arakaki e Laís Ikoma. Ela é uma homenagem à imigração japonesa no Brasil: o desenho das letras foi inspirado nas pinturas dos nomes dos navios que trouxeram os imigrantes japoneses ao continente americano. E a diagramação dos créditos na vertical faz uma referência direta à forma de escrita e leitura dos caracteres da língua japonesa.

Cartaz alternativo de “Amarela” (2024). Design por Gus Kondo.

O pôster alternativo de Amarela segue a mesma identidade visual e apresenta outra belíssima fotografia de Alex Takaki. Assim, todas as pessoas envolvidas na criação do pôster, direta ou indiretamente, são asiático-brasileiras e se conectam de alguma forma com a história de Erika.

é cartazista, designer pro cinema e pra vida real. Fascinado pelo poder narrativo, cultural e político do design, abandonou a área de UX para unir o seu ofício com a sua paixão pelos filmes.
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